segunda-feira, 24 de junho de 2013

Depois das certezas



Há 97 anos, em 1915, Albert Einstein apresentou sua Teoria Geral da Relatividade à academia Prussiana de Ciências em Berlim, publicando no ano seguinte uma tese com conteúdo mais detalhado de seu pensamento, trazendo para os diversos campos do conhecimento humano a ideia radical de que não há pontos referenciais absolutos no universo e, consequentemente, não há verdades absolutas. Tudo depende de como e quando o observador está experimentando o evento.
Anos mais tarde, Ilya Prigogine, químico russo radicado na Bélgica, ganha o Prêmio Nobel de Química por seu rico trabalho no campo da termodinâmica, especialmente no que ficou conhecido como sistemas instáveis ou de não equilíbrio.
Tópicos como a irreversibilidade dos eventos e a predominância de sistemas instáveis no universo são centrais nas teorias de Prigogine, quem, segundo Attico Chassot – autor do importante livro Alfabetização Científica, ajudou a ciência moderna repensar sua postura dogmática e neutra, tendo de passar a funcionar, efetivamente, como um instrumento para contribuir para a existência de uma sociedade mais justa.
Em seu discurso de agradecimento ao Nobel, Prigogine afirma que uma ciência para o benefício da humanidade só será possível se estiver intimamente ligada à cultura como um todo e ao presente, imperando ampliar a distribuição de informações científicas ao público geral, formá-lo para degusta-la, além de um mergulhar mais profundamente e, por vezes de maneira mais contextual, nos problemas de nosso tempo.
Tanto Einstein quanto Prigogine se ocuparam em compreender o universo de formas menos retilíneas, interessados potencialmente nas transformações que ocorrem “em vários sentidos e tempos”, às quais, por dificuldade de extrapolar o convencional, terminamos por não alcançar ou as dispensamos após leitura pouco cuidadosa e, frequentemente, descomprometida com os efeitos que determinados processos podem acarretar em nossas vidas.
Lamentavelmente, o Brasil ainda não goza de uma estrutura educacional e científica que dê conta de aproximar, da realidade majoritária dos brasileiros, estudos e conceitos potencialmente mobilizadores e carregados de significações importantes às mudanças pretendidas e empresadas em solo nacional, seja pelo Governo, seja por corporações multinacionais, tais como irreversibilidade, princípio da incerteza, teoria dos jogos e mesmo a tão famosa Teoria da Relatividade.
Continuamos como os homens primitivos, agrupados diante de um monolito negro, representante do desconhecido, assustador e retransmissor da energia perpétua de nossas experiências passadas e futuras, como no magnífico filme 2001: uma odisseia no espaço de Stanley Kubrick.
Mas que tem isso de importante no cenário paraense?
Penso que o momento não pode ser mais propício para se trazer questões complicadas e instigar a sociedade estadual a comparecer questionando alguns baluartes do ainda pouco elucidativo – e talvez conveniente! – discurso científico de nossas instituições de ensino e pesquisa e de importantes intelectuais de toda região Amazônica. Temas como aquecimento global, sustentabilidade, assoreamento de rios e ainda, desertificação da Amazônia não podem mais ser tratados como segredos institucionais ou conhecimento pessoal.
Sobre isso, em 2009, quando laureado com o título de Doutor Honoris Causa pela UERJ, o renomado geógrafo Aziz Ab’saber, teceu severas críticas ao governo brasileiro e às instituições de ensino que, por omissão ou insuficiência, ajudam a perpetuar “absurdos” como o termo Desertificação da Amazônia e a tratar a sustentabilidade como uma palavra de significados infinitos, diminuindo o empenho em ampliar a compreensão científica de tópicos e categorias científicas que fundamentalmente definem o termo e dão consistência à sua utilização universal, mas nem sempre devida.
Junto disso, questões políticas e sociais frementes na região e no estado, tais como a falta de uma pauta política governamental que respeite de maneira inequívoca, os anseios sociais e cubra, pelo menos em termos de propostas, as reais necessidades da população parecem ter encontrado fôlego para a mobilização social. Basta ver os últimos acontecimentos populares em Belém e pelo Brasil.
Certamente, a questão central, não se resume aos R$ 0,20 de reajuste da tarifa de ônibus em São Paulo, ou mesmo aos bilhões gastos na infraestrutura da copa do mundo, evento que, a meu ver, respeitando sua importância sociológica ao Brasil, não se trata e jamais se tratará de pauta política ou de necessidade de repaginação estrutural do país. Precisamos de hospitais, de médicos, formados aqui e não importados como quer a presidenta.
Ao mesmo tempo, as reações populares tratam justamente de tudo isso, ainda que desorganizado, não muito claro ou não escrito em um papel timbrado e endereçado calmamente aos governantes. O timbre de população brasileira já deveria bastar. Mas há que barulhar para que a correspondência seja entregue. Mas fica a pergunta: quem coordenará o pós-manifestação? Que grupos estarão dispostos a manter uma agenda permanente de diálogo com o governo?
Isso é coisa de partido político, dizem alguns. Outros arriscam que já fizemos nossa parte: abrimos os olhos do governo, não vamos permitir mais vilipêndios e falsidades contra o povo. Certo! Mas desde Einstein os resultados são “multi-produzidos”, por assim dizer. Se assim o é, também temos nossa polpuda contribuição na atribuição dos comandos da nação. Como povo e como indivíduos. Como produtos e produtores de nossa história, posto que também, fizemos escolhas e nem sempre estas estiveram apontadas para o coletivo e para o resguardo da cidadania. Penso que na refrega dos combates recentes, não haverá o movimento sucessivo e necessário de novas organizações para o debate e o fazer – ou refazer? – político, assim como não surgirão novas institucionalidades que deem conta daquilo que se pretende transformar.
Mais uma vez, seremos banhados pela incerteza. Localmente, estas questões e mais as peripécias dos países ditos aliados, acumulam-se sobre a pauta ainda não bem estabelecida de proteção do patrimônio ambiental da Amazônia, da proteção dos reservatórios naturais de águas que temos – últimos do mundo – além de não dar conta, sequer de novas formulações a respeito do estado de respostas locais potentes o suficiente para se colocar na infantaria do bem, para o enfrentamento dos graves problemas pelos quais a Amazônia e o Pará ainda passam.
Nesses territórios a preocupação com estudos científicos que contribuam para compreender a dinâmica social, econômica, ambiental, enfim, de todos os matizes da vida humana na região, deveria ser central, especialmente depois de cientistas como Einstein e Prigogine. Os grandes temas da Amazônia e do Pará, como aqueles citados mais acima, não podem mais ser abordados através da convencional liturgia científica praticada de maneira extensiva na região, a qual antes de esclarecer, parece estar diluindo, quando não impedindo, a compreensão da sociedade acerca de seus problemas e, consequentemente, diminuindo o potencial de geração de respostas conjuntas às demandas vindouras.
Tal como aconteceu no passado, é tempo de convocar a curiosidade e o trabalho árduo, de vencer os clubistas que encastelam os ativos científicos locais, em todas as disciplinas e em todas as esferas de ação, mas, principalmente é preciso recorrer à responsabilidade cidadã, a fim de sejam ORGANIZADAS novas formas de apresentação, cobrança e acompanhamento das demandas sociais, sob a pena de que as novas mobilizações passem a ser tratadas como atraso ao calendário de um evento esportivo e as incertezas, nossas mais assíduas cobradoras, multipliquem-se e se tornem incontornáveis.

J.Mattos

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Repercussão



Recebi já alguns e-mails sobre o que postei acerca do posicionamento frente às novas necessidades políticas da cidadania, comentadas na carta aberta, publicada abaixo, pelo quê fico feliz, pois demonstra que as pessoas estão interessadas neste assunto. Como apenas um desses e-mails questiona algumas colocações que fiz e assina com um duvidoso pseudônimo de Psi Interessado, coloco seus questionamentos e os respondo:

      1.       Você está falando mal da sua própria classe profissional?
R. Falar mal, penso, é quando não há argumentos, apenas críticas e ofensas. Me propus em argumentar sobre o fato de que não basta o CFP ou qualquer outro conselho profissional se posicionar e cumprir sua agenda – no que eu tenho certeza que o CFP fez na temática do Ato Médico e outras demandas urgentes – mas que todos os cidadãos, estando eles representados ou não, devem refletir sobre seu fazer político. Se a classe psi sente o peso da derrota, deveria, isto sim, ter apoiado muito mais o CFP, inclusive propondo novas formas de agir político.

      2.       O CFP tem sido muito presente nessas questões, vc não foi justo com ele.
R. A resposta anterior envida esclarecer este ponto. Em relação a ser justo ou não, não julguei nada, inclusive me coloquei como parte dos que têm que refletir sobre suas práticas, justamente para não atirar pedras em ninguém, compreendendo, entretanto, que há necessidade de uma revisão profunda na concepção de atuação cidadã e práticas políticas, inclusive por parte do CFP, CRP e demais conselhos e entidades. Mas, sobretudo, por todos nós brasileiros.

      3.       O que vc propõe que se faça?
R. Acredito que seria bom ler novamente a carta. Sobre este aspecto, penso ter sido bastante claro.

Agradeço infinitamente aos meus interlocutores iniciais e aos que, espero, virão.

J.Mattos

Carta Aberta aos meus Pares

Olá a TODXS,

Penso que o papel do CFP e dos CRP no processo que culminou nas votações de temas contra os quais nossa classe se manifesta – como no caso do Ato Médico, aprovado no último dia 18.06 – é uma pauta social de relevância demasiado extensa para se limitar aos escaninhos da classe e, por esta razão, vale à pena dedicar-lhe reflexão, registro e difusão ampla de ideias. Faço isso, portanto, através da presente carta aberta, cujo pronome de tratamento – TODXS – encerra a ideia de pluralidade que deve reger o cuidar e servir sociais de quem se dispõe a ser agente de transformação social em nossos dias.

Nosso sistema de democracia representativa está demonstrando seus limites ante as demandas sociais emergentes. Sucede daí, o desafio fremente de reelaborar tanto nossas matrizes políticas, quanto nossas matrizes legais e, numa dimensão mais sociológica, nossas matrizes institucionais. Entretanto, nada disso acontecerá sem organização, seja qual for seu matiz analítico escolhido. Neste sentido, destaque-se nossa fragilidade secular de promover mobilização e participação desorganizadas e sem princípio de constituição, prescindindo dos instrumentos de agendamento político, criação de bases colaborativas mais consistentes e articuladas com valores, fundamentos, competências, atitudes e, por que não, novas utopias.

Donde venho esclarecer, aponto, portanto, um problema que me parece central: a falta de qualidade operacional e de integração sistêmica de nossas pautas propositivas, salgada ao extremo pela fragilização quase irresponsável de processos de organização interna de categorias profissionais e da sociedade como um todo. Por este viés, sói averiguar abandalhas e conveniências nos processos eleitorais e no acompanhamento das gestões eleitas, terreno mesmo dos maiores trabalhos da cidadania – acompanhamento, controle e cobrança.

O CFP, os CRP e as demais organizações de representação profissional têm replicado estas falhas e insuficiências em vários casos como na questão do Ato Médico e nós, representados – mais ou menos atuantes – resistimos imensamente à autocrítica e à busca por um discurso de categoria, cujo critério constitutivo seja o fortalecimento profissional e político e inclua a necessidade inexorável de saber fazer mobilização política também ao nível técnico. Isso dá muito trabalho, é muito distante do que precisamos... Já ouvi personagens centrais de nossas estruturas representacionais, cuspirem.

Bem, os resultados sobre os quais choramos nossas mágoas me parecem os melhores indicadores de que isso também reflete nossa resistência histórica enquanto cidadãos em relação a aprender como fazer política, pensar politicamente e nos preparar para um enfrentamento que vai além da participação em passeatas, na assinatura de termos de repúdio e nos leva ao cerne da necessidade de construção de novos dispositivos de controle social. Este tipo de controle que também deve nascer de iniciativas não partidárias.

Devemos avançar na estruturação política e administrativa de nossas ações, na elaboração de modelos conceituais e metodológicos, discutidos e aprofundados em reuniões sistemáticas para interlocução política entre os diversos grupos e atores mobilizados ao nível dos poderes central e local e órgãos da administração direta e indireta do Estado Brasileiro. Só que isso, como já disse, dá trabalho e, sem querer, somos pegos pela mesma estimativa rasteira com a qual atiramos nossas pedras alhures: trabalharam pouco, não foram diligentes o suficiente, não deveriam nos representar.

Busquemos operacionalizar ações públicas aos níveis municipal e estadual, transpondo referenciais cognitivos e formais da política como ação e ética postulante, definir exaustivamente objetivos e planos de ação, para a execução pelos parceiros assim como prever a finalização das ações planejadas e registrar os avanços e obstáculos, com vistas a redefinir formas de atuação, sistematização de dados quantitativos e qualitativos e início das ações planejadas de forma participativa pelos próprios interessados, sejam eles psicólogos, ou outros parceiros da sociedade democrática.

Dito isso, correndo o risco de terminar muito abruptamente, convido a TODXS para somar os milhões necessários à mudança. Vamos às ruas, com o compromisso de pensar no que cada qual fez – de fato – para impedir as inglórias derrotas que sofremos.

Um Abraço fraterno,

José Mattos Neto

De protestos e maquiagens I

Finalmente pude testemunhar os protestos em Belém, ontem dia 20. Fiquei até o momento em que a polícia prendeu um grupo de oito pessoas que estavam barbarizando evento. Vinte e um anos depois de ganhar as ruas pelo impeachement do Collor, algumas coisas boas se repetiram, outras não vi e algumas novidades são completamente dispensáveis.
Dentre as últimas: a "Gang do Madruga", postada e tirando fotos como fossem celebridades bem na frente da estação do bondinho na Av. Portugal... Bombas e uma galera imitando o "pogo" punk, início das confusões que acabariam com a dispersão forçada da multidão. "N" conversas onde se constatava que a euforia da turba é contagiante, mesmo para quem não tinha mais nada o que fazer numa quinta a tarde. A falta de megafones onde propostas fossem massificadas e falas das lideranças pudessem identificar os motivos, as propostas, enfim, o cerne do que se protestava.
O ajuntamento humano é forte, é energia pura que dá pra sentir na pele. Cantar o hino nacional, lançar gritos de guerra e até dançar ao redor do fogo são imagens e ritos muito potentes... O surrão das razões, entretanto - ao meu ver - estava com pouquíssimo pão. O que alimentava de fato aquelas presenças e aquelas vozes? É preciso saber... Inequivocamente.
J.Mattos

A razão de ser deste espaço

A Todxs,

Inauguro hoje, 21 de junho de 2013, o espaço O Chão da História. Este blog destina-se a abrigar o registro de ideias livres - minhas e de quem quiser contribuir.

As áreas prioritárias não existem. Há uma humanidade inteira sobre o que dizer e refletir. Entretanto, todos os direitos humanos devem e serão respeitados e o repúdio fulcral à sua macula, será sempre o pavimento.

Este chão de escritos está embalado pelo fazer da hora de Geraldo Vandré, pelo reinado da história e da psicanálise, como registra a epígrafe visual do documentário "Nós que aqui estamos, por vós esperamos".

Desta forma, há que escrever com sentimento, senso de percurso e dois pés na análise do incrível potencial da psique humana. As ideias, assim penso, ganham mais criticidade.

Por trás de tudo, o humanismo, a poesia, a peçonha do questionamento e a hóstia de respeitar tudo, desde que escrito como ideia, mesmo contrária, mas bela como produto cristalino do melhor do espírito humano.

Sejam Todxs bem Vindxs,

José Mattos Neto
jmattosneto@gmail.com